sábado, 27 de abril de 2024

A arte de envelhecer - 26.05.2023


A arte de envelhecer

O envelhecimento é um processo contínuo que nos acompanha desde o nascimento, de forma inexorável. A partir de certa idade, sentimos que algumas funções corporais começam a fraquejar e, de forma sorrateira, sem pedir permissão, vão nos abandonando.  Afirmo isso com experiência própria. 

Como sou um apaixonado pelo futebol, ao chegar hoje aos 75 anos e com duas cirurgias no joelho direito, sinto no corpo as consequências te ter chegado até aqui.

Tosos os sábados, no Campo Novo, nas peladas disputadas como os amigos, onde o placar é o que menos interessa, mas sim entrar em campo para brincar, sinto que os movimentos das pernas não acompanham mais as orientações do cérebro.

Por outro lado, discorrendo sobre a velhice, o filósofo romano Marcos Túlio Cícero, desenvolveu a tese de que a arte de envelhecer é encontrar o prazer que todas as idades proporcionam, pois todas têm as suas virtudes.

Ainda bem que tenho encontrado esse prazer ao longo da vida. E, pra mim, um dos maiores prazeres da vida é ensinar e aprender, transmitir e receber conhecimento.

Dentro dessa visão, o Instituto Cultural Boanerges Sena - ICBS foi a inspiração que me fez compreender a importância do que nos ensinou o filósofo Marcus Túlio Cícero, alguns anos antes de Cristo.

Com o ICBS criamos a possibilidade de aprender e ensinar. Em 2021 completamos 40 anos de existência e, para ilustrar o que digo, reproduzo o que escreveu o professor de antropologia da Universidad Roger Williams, E.U.A., Jeremy Campbel, que pesquisou por sete meses no Instituto. 

Recentemente, tive a oportunidade de vasculhar algumas fotos antigas. Elas mostravam papel amarelado, foto após foto de um arquivo de jornal que eu havia fotografado meticulosamente há quinze anos. O folheamento das imagens revelou manchetes da década de 1930 (muito Vargas), dos anos de guerra e dos “soldados da borracha”, da abertura da Transamazônica e da visita de Médici.

O Jornal de Santarém, A Gazeta de Santarém, O Impacto ... Os jornais pareciam cobrir tudo: eventos nacionais e internacionais, mas também fotos de Sairé e do Círio, vislumbres da cultura paraense e os distintos locais de uma vida Mocoronga.

Eu havia fotografado essas joias digitais quando era estudante de graduação, em 2006-2007, e minha tarefa era tentar entender a história e a cultura do Oeste paraense. Essa foi a primeira etapa de um projeto de doutorado em que tentei situar a Rodovia Santarém-Cuiabá em narrativas mais amplas sobre o “desenvolvimento” de Santarém, do Pará e da própria Amazônia.

Chegando à região com fome de aprender mais sobre sua história social, cultural e econômica, tive a sorte de ser encaminhado ao arquivo e museu privado administrado pela família Sena. Digo “sorte” porque, na verdade, os arquivos que pude explorar eram uma mina de ouro: repleta de tesouros (livros, fotos, artefatos) que me deixaram maravilhado e me equiparam com as histórias de que precisaria para apreciar a escala, grandeza e diversidade das comunidades humanas no Oeste do Pará.

Assim que descobri o ICBS, desenvolvi rapidamente um ritmo. Todos os dias, saía a pé da casa dos amigos onde me hospedava na Travessa Turiano Meira, subindo com cuidado a acidentada e não-pavimentada Avenida Marabá, enxugando o suor da testa no caminho. Uma vez dentro do arquivo fresco e bem iluminado, eu poderia concentrar minha atenção nos livros e jornais à minha frente.

O Instituto era o sonho dos pesquisadores: silencioso, amplo, com uma equipe simpática e experiente. Tive muito trabalho a fazer se quisesse entender as várias correntes da história econômica: os ciclos da borracha, o ouro, os Confederados, Cargill, barragens fluviais, os movimentos indígenas e quilombolas, a fronteira da soja, construção de rodovias, migração, reforma agrária, etc. Se meu assunto escolhido fosse barulhento e controverso, o Instituto era apenas o oásis de calma de que eu precisava para lidar com a pesada verdade das coisas.

Passei sete meses neste oásis. Lendo, escrevendo, pensando. Foi através das coleções do Instituto que conheci a complexidade, a emoção e a sabedoria da história das pessoas e dos lugares de Santarém. Os estudos que concluí nesses confins amigáveis ​​levaram a uma dissertação, que resultou em uma série de artigos profissionais, que por sua vez levou à publicação de um livro premiado sobre políticas ambientais e de uso da terra.

Profissional e intelectualmente, estarei para sempre em dívida com o Instituto. É difícil expressar o quão especial é uma coleção. É uma prova do foco e compromisso da família Sena, é um recurso precioso para todos os Mocorongos, sejam por nascimento ou (como eu) por escolha.

A arte de envelhecer é encontrar o prazer que todas as idades proporcionam, pois todas têm as suas virtudes.




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